As Sete Luas de Maali Almeida, Shehan Karunatilaka
Autor: Shehan Karunatilaka
Ano: 2022
Gênero: Ficção Literária; Realismo mágico; Ficção Histórica; Mistério
Outros da mesma autora: Chinaman: The Legend of Pradeep Mathew
Editora: Clube do Autor
Classificação: 5/5
Análise/Opinião:
As Sete Luas de Maali Almeida foi uma viagem literária fascinante. Neste romance, Shehan Karunatilaka explora de forma magistral a vida, a morte e a complexa teia da História do Sri Lanka, ambientando a narrativa num período conturbado que remonta à guerra civil dos anos 1980 e 90.
Através de elementos de realismo mágico, sátira politica, e comentários sociais e morais, acompanhamos Maali, um fotografo de guerra, que morre subitamente e encontra-se no limbo, preso entre a vida e a vida após a morte. Maali tem sete luas para decidir se deve seguir em frente ou permanecer no entremeio, e garantir que sua morte não seja em vão, expondo as atrocidades que testemunhou e, assim, contribuir para a mudança no Sri Lanka. A compulsão para descobrir a natureza e a causa de sua morte é forte e dá um toque de mistério à narrativa. No entanto, diria que o verdadeiro foco do livro não reside na procura do assassino, mas sim, na captura da crueza da emoção humana, denunciando como a corrupção e a ganância podem distorcer a perceção da retidão.
São vastos os temas aqui retratos, desde a guerra e violência desmensurada, à corrupção, à homossexualidade, à religião, à identidade e herança cultural, e à memória. É um livro cheio de camadas e de complexidade, apesar de ter uma escrita direta e acessível.
Um dos pontos que mais me fascinou no livro foi a audácia e a imparcialidade com que Karunatilaka empreende uma crítica social abrangente, não poupando ninguém, desde o governo, até aos grupos rebeldes (Tigres de Liberação do Tamil e JVP), ao Ocidente, e até mesmo à ONU. E, aliado à crítica social, Karunatilaka emprega o humor negro em praticamente todas as páginas como ferramenta para desmascarar a crueldade e o absurdo da guerra.
A narrativa, repleta de elementos de realismo mágico e mitologia, confere uma dimensão onírica e surreal que, paradoxalmente, torna a história ainda mais verossímil. A construção do enredo é feita de forma inteligente e plausível, enriquecendo a experiência da leitura e proporcionando uma nova perspetiva sobre os eventos históricos. E, para minha surpresa, o autor também faz referência a uma passagem de Shutter Island, um romance que originou um dos meus filmes favoritos. Essa intertextualidade enriqueceu ainda mais a leitura.
Ainda no que diz respeito ao abordagem da narrativa, o autor optou por narrar na segunda pessoa, o que na minha opinião ainda deu mais força à narrativa, na medida em que projeta o leitor diretamente para a pele do Maali. Um outro livro que tem a mesma abordagem é Atos Humanos (num capítulo memorável), que quem me segue sabe que simplesmente adorei.
Assim de forma a concluir, As Sete Luas de Maali Almeida é uma sátira mordaz que, sob a máscara do absurdo, desvela as profundezas da corrupção e da violência do. A narrativa, por vezes grotesca e hilariante, serve como um espelho cru da guerra e da violência, expondo a futilidade e o sofrimento que ela acarreta.